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01/08/2022 - 10h17

STF decidirá disputa bilionária do setor de portos

Fonte: Valor Econômico
 
O Supremo Tribunal Federal (STF) retorna nesta segunda do recesso e o ministro Dias Toffoli tem, à sua espera, uma disputa bilionária para ser resolvida. Ele foi designado relator de uma ação movida, em caráter de urgência, por empresas do setor de portos atingidas por uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU).
 
No fim de junho, o órgão proibiu a cobrança, pelas operadoras de terminais portuários, do Serviço de Segregação e Entrega de Contêineres (SSE) — que era realizada há duas décadas. Essa situação, se confirmada, dizem as empresas, terá influência imediata na decisão de investimentos nos portos do país.
 
O prejuízo com a decisão, segundo as operadoras, é grande. Acarretará perda de R$ 98,4 milhões só nestes últimos cinco meses do ano. Para 2023 é estimado impacto de R$ 284,5 milhões e a projeção, até 2025, é de que deve superar R$ 1 bilhão.
 
O serviço é cobrado dos terminais retroportuários, os “portos secos”, estações aduaneiras que ficam em zonas secundárias e também realizam operações de desembaraço, armazenamento e despacho da carga.
 
Quando o importador opta por utilizar o porto seco, o terminal portuário que recebe os navios cobra das empresas que administram os terminais retroportuários por ter que retirar o contêiner da pilha de armazenamento do seu pátio e movimentá-lo até o portão, para que possa ser transferido.
 
Existe discussão em torno dessa cobrança, no entanto, desde que foi instituída. Empresas que administram os portos secos são contra. Sustentam que os usuários dos portos já pagam uma taxa, a THC, ao dono do navio para fazer a retirada da carga dos terminais. A cobrança “extra”, pelo terminal portuário, geraria desvantagem concorrencial.
 
É que se o importador opta por fazer o desembaraço aduaneiro no próprio terminal portuário, onde os navios atracam e entregam as cargas, essa cobrança não existe.
 
As operadoras dos terminais portuários, que cobram o SSE dos portos secos, afirmam, por outro lado, que têm custos com esse procedimento. A THC, prevista nos contratos com os donos dos navios, abrange a retirada da mercadoria do navio até a colocação do contêiner na pilha armazenada no terminal. A partir desse momento não haveria mais cobertura — por isso, o SSE.
 
Sem esse serviço, dizem os terminais, haveria um caos logístico. Os terminais retroportuários teriam que disponibilizar caminhões para a retirada das cargas dos navios, o que provocaria quilômetros de congestionamento e demora na transferência.
 
A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), que regula o setor, tem resolução autorizando a cobrança e fixando parâmetros desde 2012. A última delas — que estava em vigor até a decisão do TCU — é a de nº 72, publicada em março.
 
Até pouco tempo, no entanto, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tinha posicionamento contrário à cobrança e isso gerou inúmeras ações judiciais. As decisões de primeira e segunda instâncias se dividem, mas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem considerado a cobrança válida.
 
O tema parecia ter sido pacificado em junho do ano passado, quando Antaq e Cade sentaram à mesa e chegaram a um acordo. Representantes dos dois órgãos assinaram um memorando de entendimentos.
 
Consideraram que a cobrança não configura, por si só, um ato ilícito. Mas reconheceram que podem existir situações em que essa cobrança se revele abusiva e, nesses casos — identificada a irregularidade — serão tomadas medidas conjuntas.
 
A decisão do TCU, proferida agora, provoca uma reviravolta. Em sessão plenária do dia 22 de junho, os ministros analisaram denúncias sobre possíveis irregularidades no processo de revisão da Resolução nº 72 da Antaq e determinaram a anulação de todos os dispositivos da norma que dizem respeito à possibilidade de cobrança do SSE.
 
Concordaram com as alegações dos denunciantes — que têm a identidade sob sigilo — de ausência de realização de Análise Prévia de Impacto Regulatório (AIR), antes de a Antaq elaborar a minuta de resolução que foi submetida a audiência pública, e de ilegalidades no estabelecimento do SSE.
 
Os ministros do TCU consideraram a cobrança ilegal, especialmente, pela possibilidade de os terminais portuários aumentarem os custos das empresas que administram os portos secos. “O recinto seco é concorrente direto do recinto molhado”, consta na decisão (acórdão nº 1448, de 2022).
 
As operadoras dos terminais portuários recorreram ao STF, contra essa decisão, por meio de um mandado de segurança coletivo. A Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres (Abratec), autora da ação, afirma que o julgamento no TCU ocorreu de forma sigilosa.
 
Empresas e entidades não fizeram parte do processo e não foram ouvidas. Dizem ter sido surpreendidas com a decisão, que “caiu como uma bomba” no setor.
 
Segundo a Abratec, além disso, o TCU teria invadido competência da Antaq, que regula o setor e autoriza a cobrança, e “passado por cima” do acordo com o Cade e de inúmeras decisões judiciais — inclusive do STJ — que validaram o SSE.
 
As empresas chamam atenção, ainda, que o TCU, no mesmo julgamento, definiu que eventuais recursos não suspenderiam a decisão que invalidou a cobrança. Situação que fugiria à regra do tribunal de contas.
 
O Valor procurou o TCU, que enviou nota remetida pelo gabinete do ministro Vital do Rêgo, o relator do processo em questão. Diz que o trâmite seguiu todo o rito regimental e que, em processos originados de denúncia, o tribunal analisa o assunto com a finalidade de alcançar a melhor decisão para a sociedade.
 
Nesses casos, consta na nota, chama-se aos autos para oitivas e esclarecimentos formais o ente da administração responsável pelo tema. “Assim, a Antaq foi ouvida dentro dos autos e fora dele, por meio de recentes reuniões e contatos”, afirma.
 
Informa ainda que as discussões sobre o SSE vêm desde 2018, quando o plenário avisou à Antaq que a sua norma “permitia uma série de irregularidades”. “Por meio do Acórdão nº 1.704, de 2018, o TCU determinou à agência que estudasse o assunto e harmonizasse a questão tendo como foco principal o interesse público.”
 
De lá para cá, segundo o gabinete de Vital do Rêgo, a Antaq editou nova resolução que não resolveu a questão principal: “As regras da cobrança atingem a competitividade do serviço de armazenagem da operação portuária de importação e acarreta infração à ordem econômica e à livre concorrência”.
 
A Antaq apresentou recurso, no TCU, contra a decisão que invalidou a cobrança. Afirma que houve mudança no mérito do processo e que não foi chamada a se manifestar, situação que viola o princípio do contraditório e da ampla defesa.
 
“O TCU deliberou sobre tema altamente controverso, cuja litigância ultrapassa 20 anos, fundamentado nas conclusões do voto do relator, em aproximadamente dez páginas, que não levaram em consideração nota técnica do Departamento de Estudos Econômicos do Cade que conclui pela regularidade da SSE, nem quaisquer outros documentos anexos a este recurso, que poderiam ter sido apresentados caso a Antaq fosse instada a se manifestar”, diz.
 
A intervenção do TCU, da forma como feita, sustenta, “acabou adentrando no mérito da sua atuação regulatória, em desprestígio à sua autonomia institucional e em contrariedade à jurisprudência sedimentada pela Corte de Contas”.
 
Trata ainda do impacto que a decisão do TCU terá sobre os contratos de arrendamentos portuários. De acordo com o órgão, poderá haver pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro.
 
O Valor procurou a Antaq, mas não teve retorno até o fechamento desta reportagem. O advogado da Abratec, Henrique Ávila, do escritório Sérgio Bermudes, também foi procurado, mas preferiu não se manifestar.
 
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