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05/09/2022 - 11h15

Decisões do STF podem incentivar cobrança de IPTU sobre concessões

Fonte: Valor Econômico
 
Projetos de infraestrutura podem se tornar inviáveis, segundo Ministério da Infraestrutura
 
Duas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2017 têm gerado preocupação pelos potenciais efeitos sobre concessões de infraestrutura. A partir dos julgados, tributaristas interpretam que foi aberta uma brecha para municípios cobrarem IPTU de quem usa espaço ou imóvel da União – eles se consideravam beneficiários de imunidade.
 
De acordo com o Ministério da Infraestrutura, com os custos adicionais dessa nova cobrança, projetos dos setores rodoviário, ferroviário, aeroportuário e portuário se tornam “inviáveis”.
 
No Rio de Janeiro, já há orientação para que os valores sejam cobrados. A secretaria de Fazenda estima que o IPTU devido pelos estabelecimentos comerciais situados nos aeroportos do Galeão, de Jacarepaguá e do Santos Dumont somados é de cerca de R$ 48 milhões só para o ano de 2022. Segundo a Procuradoria Geral do Município (PGM), atualmente, dezenas de ações discutem a imunidade do tributo nestes casos. A maioria delas, disse a PGM, com vitória ou perspectiva de decisão favorável ao município.
 
Para ser usado nas defesas contra os entes públicos, a Advocacia Geral da União (AGU) aponta seu principal argumento: a Constituição Federal veda à União, Estados, Distrito Federal e municípios instituírem tributos sobre o patrimônio, renda ou serviços uns dos outros. Conhecida como imunidade tributária recíproca, essa previsão impediria que um município possa cobrar IPTU de imóvel da União, por exemplo.
 
O STF teve que se manifestar sobre o assunto para os casos em que esses imóveis de entes públicos são alugados para empresas privadas. Em 2017, o Supremo autorizou a cobrança nessa situação. O tema foi julgado em dois processos, mudando a jurisprudência que existia até então.
 
Um dos julgados envolve a concessionária de veículos Barrafor, que ocupa imóvel no Rio de Janeiro cedido pela Infraero. No processo, o município alegou que a cobrança do IPTU seria válida porque a empresa tem finalidade econômica. Argumentou que a dispensa do imposto daria vantagem em relação às concorrentes.
 
O outro julgado é relativo à Petrobras, arrendatária de um imóvel da União no Porto de Santos, de responsabilidade da Companhia Docas do Estado de São Paulo. Ambas as cobranças foram autorizadas.
 
De acordo com tributaristas, a redação da tese pelo STF deixa margem para a cobrança do IPTU das prestadoras de serviços públicos, incluindo os casos de concessão. “Essas decisões estavam olhando o desenvolvimento de atividade econômica por pessoa que não tem espectro de serviço público”, diz a advogada Andrea Mascitto, sócia do Pinheiro Neto.
 
Andrea explica que concessionárias, diferentemente de locatárias privadas, ficam amarradas pelas tarifas estabelecidas no contrato de cessão. Além disso, conforme a advogada, prestam serviço público e fazem o papel da União, o que as distinguem de uma locadora. “Quem vai pagar [o IPTU] é a União ou os beneficiários”, afirma, ponderando que as concessionárias repassarão os custos do imposto.=
 
Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Fazenda e Planejamento do Rio de Janeiro informou que “segue cumprindo a decisão mais recente do STF” sobre cobrar o IPTU de imóveis da União ocupados por concessionárias e particulares que desenvolvem algum tipo de exploração econômica. A PGM do Rio entende que o lançamento do imposto é devido nestas situações. Os órgãos alegam que sem o IPTU o Estado perderia arrecadação.
 
Já a AGU afirma no Parecer nº 358, publicado em junho, que as decisões do STF de 2017 mudaram a jurisprudência vigente. Argumenta que a posse ou o uso de imóveis públicos por cessionários particulares, em um contrato de parceria, constitui fonte de receitas vinculadas à prestação de serviços públicos. Por isso, não poderia haver a cobrança de IPTU.
 
De acordo com o parecer da União, os precedentes do STF têm servido de base para interpretações “equivocadas” pelas Cortes inferiores, ao reconhecer a incidência de IPTU sobre imóveis localizados em sítios aeroportuários. Segundo a AGU, existem diversas áreas arrendadas para atividades que geram receitas não oriundas de tarifas, como lojas e restaurantes, mas que são importantes fontes de receita da concessão, levadas em consideração no oferecimento das propostas nos leilões.
 
A pasta ainda projetou alguns cenários. Considerando o custo do IPTU calculado com base nas áreas destinadas a atividades econômicas não sujeitas a tarifação, o custo anual com o imposto varia de R$ 10 mil em Uruguaiana (RS), em 2022, a R$ 2,19 milhões em Manaus, em 2050. Se considerada a cobrança de IPTU sobre toda a área do sítio aeroportuário, o custo anual com o imposto varia de R$ 1,78 milhão em Uruguaiana, em 2022, a R$ 41,75 milhões em Manaus, em 2050.
 
No caso das concessões de rodovias federais, o montante total anual de IPTU estimado foi de R$ 95,8 milhões, chegando a R$ 2,87 bilhões, ao longo de 30 anos. Também segundo a AGU, no caso das concessões rodoviárias, praticamente toda a receita é proveniente da tarifa cobrada dos usuários. “São esses usuários, caminhoneiros, ônibus e carros que deverão pagar pela cobrança adicional do imposto”, alega no parecer.
 
Procurada pelo Valor, a Secretaria Municipal da Fazenda de São Paulo diz entender que o parecer da AGU “não vincula de nenhuma forma as diversas prefeituras do país a quem cabe, em cada caso, analisar a situação concreta a fim de concluir, em vista da jurisprudência dos tribunais superiores e da respectiva legislação municipal, acerca da possibilidade de incidência do IPTU”.
 
Ainda sobre o parecer da AGU, o Ministério da Infraestrutura informa, por meio de nota, que o documento foi emitido para prestar subsídios a um possível ingresso da União em ações judiciais já existentes, em virtude do impacto econômico pela cobrança de IPTU em presentes e futuras concessões. Por ora, não existem ações ajuizadas pela AGU, de acordo com o ministério, porém, há estudos sobre em quais pleitos seria possível intervir. O órgão considera possível que o tema evolua novamente ao STF.
 
O grupo de trabalho criado pelo ministério para coletar informações sobre a incidência de IPTU e os impactos dessa cobrança concluiu que a mudança de jurisprudência pelo STF levou à exigência do imposto sobre áreas de concessões federais, “com potenciais impactos nos contratos vigentes e em projetos que futuramente serão leiloados”.
 
De acordo com o especialista em direito público André Silveira, sócio do escritório Bermudes Advogados, nos tribunais estaduais há várias decisões favoráveis à exigência. “É necessário fazer a distinção das concessionárias de serviço público, que não poderiam ser cobradas”, diz. Já na Associação Brasileira dos Terminais Portuários, a preocupação são processos que tramitam no Superior Tribunal de Justiça (STJ), relativos à cobrança de IPTU de arrendatárias de instalações portuárias. A entidade solicitou intervenção da União.
 
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