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05/07/2022 - 10h43

Brasil paga mais caro para importar fertilizantes

Fonte: Portos e Navios
 
Somente da Europa, Brasil desembolsou US$ 24,5 milhões em compras de adubos e fertilizantes, aumento de 162,3%. No total do 1º semestre, país importou US$ 20,6 bilhões em produtos gerais da União Europeia, acréscimo de 11,6%
 
O Brasil nunca pagou tão caro para importar adubos e fertilizantes como agora, conforme dados compilados da balança comercial referentes ao mês passado e ao primeiro semestre de 2022, que foram divulgados na última sexta-feira (1º) pela Subsecretaria de Inteligência e Estatísticas de Comércio Exterior/Secretaria de Comércio Exterior (Sitec/Secex), vinculadas ao Ministério da Economia.
 
Para efeitos comparativos de valores pagos, mesmo a Rússia sendo o principal fornecedor mundial de adubos e fertilizantes, foi da América do Norte que o Brasil elevou, percentualmente, sua importação. No primeiro semestre, houve um aumento de 348,4%, no entanto, os gastos foram menores (US$ 15,7 milhões).
 
Na Europa, o acréscimo foi de 162,3%, mas a quantia desembolsada foi bem superior (US$ 24,5 milhões). No total do primeiro semestre, o Brasil comprou US$ 20,6 bilhões de produtos em geral da União Europeia, um acréscimo de 11,6%.
 
Mesmo que a guerra entre Rússia e Ucrânia tenha jogado luz à extrema dependência nacional desses produtos, que ficou mais explícita com a corrida acelerada das compras antecipadas, como forma de garantir esses insumos para a agricultura nacional, o gargalo é de longa data.
 
Um levantamento feito pela CNN Brasil, a partir de dados da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), apontou para um aumento de 440% nessas compras externas, entre 1998 e 2021. No ano passado, 85% dos fertilizantes usados eram importados: de um total de 45,8 milhões de toneladas utilizadas no meio rural, 39,2 milhões vieram de fora.
 
Conforme especialistas, a extinção da alíquota de importação para fertilizantes 25 anos atrás, pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), desestimulou a produção nacional. Isso fez com que diversas empresas, como a Vale e até mesmo a Petrobras, desistissem de produzir esses insumos por aqui, levando em conta que fica mais barato importá-los.
 
Para continuar como um dos principais produtores de alimentos do mundo, podendo virar protagonista na garantia da segurança alimentar do planeta, conforme expectativas de organismos internacionais, o Brasil ainda precisa continuar importando adubos e fertilizantes químicos. Isso faz dele “o número um” em importação de nitrogênio, fósforo e potássio (NPK) e o quarto maior consumidor global desses insumos, atrás da China, Índia e Estados Unidos.
 
Compras externas no 1º semestre
 
Integrantes do setor da indústria de transformação, os adubos e fertilizantes químicos (exceto fertilizantes brutos) subiram 187,5%, com um aumento de US$ 102,09 milhões na média diária, no mês de junho; e de 178,3% e US$ 66,36 milhões, no primeiro semestre de 2022.
 
Entre janeiro e junho deste ano, o país desembolsou US$ 68 milhões somente com a compra desses insumos. Foram US$ 24,5 milhões gastos para importá-los da Europa (alta de 162,3%), US$ 15,7 milhões da América do Norte (+348,4%), US$ 12,2 milhões da África (+179,6%), US$ 9,4 milhões do Oriente Médio (+138,9%), US$ 3,6 milhões da Ásia (+87,7%) e US$ 2,3 milhões da América do Sul.
 
Nem a Oceania ficou de fora: o Brasil comprou US$ 300 mil em adubos e fertilizantes desse pequeno continente, alcançando um curioso aumento de 16.684,5%.
 
Plano Nacional de Fertilizantes
 
Na tentativa de buscar por soluções para a extrema dependência dos fertilizantes importados, em 22 de janeiro de 2021, o governo federal instituiu um grupo de trabalho interministerial, por meio do Decreto 10.605, com o intuito de desenvolver o Plano Nacional de Fertilizantes (PNF). Trata-se de um esforço, ainda que seja bem tímido, para fortalecer a produção interna desses insumos.
 
Conforme consta no decreto, o PNF visa “fortalecer políticas de incremento da competitividade da produção e da distribuição de insumos e de tecnologias para fertilizantes no país de forma sustentável, abrangidos adubos, corretivos, condicionadores e novas tecnologias, para diminuir a dependência externa e ampliar a competitividade do agronegócio brasileiro no mercado internacional”.
 
Lançado oficialmente há pouco mais de três meses, quase um ano depois do Decreto 10.605, o Plano Nacional de Fertilizantes pretende diminuir a dependência de 85% para 45% das importações, até 2050, mesmo que dobre a demanda por fertilizantes.
 
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontaram que, dentre as culturas agrícolas que mais demandam por fertilizantes estão a soja, o milho e a cana-de-açúcar, que juntas somam mais de 73% do consumo nacional. O potássio (38%) é o principal nutriente utilizado por produtores rurais na agricultura, seguido pelo fósforo (33%) e o nitrogênio (29%).
 
Para o Ipea, além de um diagnóstico do setor, “o PNF trata de como o país pode suplantar os gargalos atuais, seja identificando novos fornecedores no mercado internacional, seja produzindo fertilizantes e adubos internamente”.
 
Cenário Brasil-Rússia-Ucrânia
 
Maior fornecedor mundial de fertilizantes, a Rússia sofreu várias sanções por parte dos Estados Unidos e da União Europeia, como retaliação aos ataques violentos contra a Ucrânia. No entanto, o setor de adubos e fertilizantes ficou de fora desse imbróglio.
 
Dados gerais da ComexSat mostraram que o Brasil compra mais produtos da Rússia do que o contrário: foram US$ 5,69 bilhões em importações em 2021, um valor considerado alto para o país. Para o território russo, em contrapartida, o país exportou apenas US$ 1,59 bilhão no ano passado, com destaque para produtos agropecuários, liderados pela soja e carnes.
 
O atual cenário entre Rússia e Ucrânia, que vem causando reflexos econômicos aqui e no restante do mundo, tem chamado a atenção de especialistas, principalmente após o início da guerra no leste europeu, no último dia 24 de fevereiro.
 
Brasil e Rússia integram o grupo econômico Brics, fundado em 2006, que também é formado pela África do Sul (que aderiu depois), China e Índia. As relações bilaterais russo-brasileiras são próximas por tradição, decorrentes da cooperação mútua nos setores comercial, militar e tecnológico, tendo sido firmadas há quase 20 anos, via Decreto 4.379 de 17 de setembro de 2002.
 
Com o início da guerra, que foi deflagrada oito dias depois da visita do presidente da República, Jair Bolsonaro, ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, o governo brasileiro se posicionou como “neutro” em relação à guerra. Exatamente em 24 de fevereiro, o encarregado de negócios da Ucrânia no Brasil, Anatoliy Tkack, disse que teve a esperança de que Bolsonaro fosse visitar os ucranianos, na sequência da viagem oficial ao território russo, mas isso não aconteceu.
 
Em 27 de fevereiro, ao defender a compra de adubos e fertilizantes de outros países, principalmente da Rússia, o presidente brasileiro disse que “a questão dos fertilizantes para nós é sagrada”.
 
Fato é que o Brasil está gastando mais, em dólares, com os produtos vindos de lá, ao ponto de aquela nação saltar de 12º, nos últimos anos, para 5º lugar em relação ao ranking de maiores parceiros do país, atrás da China, Estados Unidos, Argentina e Alemanha. Desde o início da série histórica do governo federal (em 1989), nunca se gastou tanto com as importações russas, que quase dobraram entre janeiro e junho de 2022, chegando a aproximadamente US$ 4,26 bilhões, contra US$ 2,21 bilhões em igual período do ano passado.
 
De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Rússia é a 11ª economia do mundo e a Ucrânia ocupa a 55ª colocação. Em 2021, segundo o ComexSat, as exportações de produtos do Brasil para a Ucrânia chegaram a US$ 226,8 milhões aos cofres brasileiros.
 
Nada comparado em valores negociados com os russos, as importações da Ucrânia geraram um custo de US$ 211,4 milhões ao mercado brasileiro, respondendo por um superávit de US$ 15,4 milhões em relação à balança comercial entre os dois países.
 
O que dizem os especialistas
 
Especialista em agronegócios e sócio-diretor da Cogo Inteligência em Agronegócio. Carlos Cogo destacou que o Brasil importou, de janeiro a junho, algo em torno de 14,6 milhões de fertilizantes totais de todas as origens. “Isso é 15% a mais em volume, em comparação ao mesmo período do ano passado. Mas há um detalhe: a Rússia manteve sua participação próxima de 23% do total destes 14,6 milhões de toneladas”, disse Cogo à Portos e Navios. Conforme o especialista, em maio e junho, as importações de fertilizantes russos cresceram. “Foram 3,3 milhões de toneladas. Só em fertilizantes isso dá US$ 2,5 bilhões de dólares”.
 
“Não vou tratar aqui de questões políticas, mas o Brasil está se virando como pode. Ele depende dos fertilizantes russos, [insumos] que não foram incluídos nas sanções políticas e econômicas, até porque essas situações não foram levantadas pelos Estados Unidos e União Europeia. Portanto, não há nada de ilegal comprar fertilizantes russos neste momento [de guerra], até porque eles já eram maiores fornecedores para o nosso país”, ponderou Cogo.
 
Em sua opinião, portanto, a compra de mais adubos e fertilizantes da Rússia é “uma operação normal, que justifica essa balança em relação às importações do Brasil, em termos de efeito da balança comercial”.
 
Importações gerais
 
Somente da Europa, o aumento das importações gerais foi de 12,01% em junho, com a Rússia encabeçando a lista: alta de 54,7% e US$ 14,3 milhões na média diária. No acumulado do ano, as compras externas do mercado europeu subiram 18,09% e novamente o destaque foi para o mercado russo, com acréscimo de 90,8% e de US$ 16,4 milhões na média diária.
 
“A questão do aumento do valor das importações brasileiras dos produtos russos não significa, necessariamente, que estamos comprando mais. Por mais que o valor tenha aumentado, temos de entender que estamos passando por um boom em relação ao aumento de preços das commodities, que estão cada vez mais caras. Não é como se o Brasil estivesse fazendo como a Índia, que está deslocando boa parte das exportações russas de petróleo, gás e carvão da Europa. Ao invés de virem da Europa, elas estão indo para a Índia, que multiplicou por 30, mais ou menos, as importações da Rússia”, avaliou Leonardo Paz, analista de inteligência qualitativa do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV NPII).
 
À Portos e Navios, ele reforçou que, no caso do Brasil, o impacto maior foi no valor final. “Obviamente que isso aumenta o valor da Rússia em nossa pauta comercial. E não é que nosso país esteja dando mais dinheiro para os russos, pois, no final das contas, os produtos que nós compramos deles foram muito mais inflacionados e os nossos não tiveram tanto impacto”.
 
Segundo Paz, os russos têm comprado um pouco menos por conta da guerra e “os próprios europeus têm tentado diminuir o volume de compras dos russos, mas estão pagando mais caro, porque os produtos estão mais onerosos, de modo geral”.
 
“Isso também envolve as sanções impostas aos russos. A ideia era pressioná-los, deixando-os sem dinheiro. Só que as principais commodities deles – como petróleo, gás e carvão – estão mais caras, ao ponto de outros países terem de desembolsar mais dinheiro para comprá-las. Ou seja, a Rússia continua acessando o dinheiro em função dessas exportações que estão em alta de preços”, disse o especialista.
 
Assim como os outros especialistas, o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, também ressaltou que gastar mais comprando da Rússia não significa comprar mais insumos. “Estamos pagando mais caro pelo mesmo produto. Sendo assim, não há ingerência política. Além disso, as exportações podem estar prejudicadas pelo bloqueio económico”, avaliou ele à Portos e Navios.
 
Castro ainda salientou que as importações de fertilizantes totais do Brasil, até o mês de abril – ou seja, dois meses após o início da guerra no leste europeu –. tiveram um aumento de preços de 132,66% e uma queda no quantum de 6,42%. “Até maio, o aumento de preços foi de 139,73% e o acréscimo do quantum foi de 16,1%. Resumindo, os elevados preços das importações ‘justificam’ o Brasil dar mais dólares para a Rússia”.
 
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