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31/05/2022 - 10h55

Associações apresentarão novos estudos sobre desequilíbrios causados por verticalização

Fonte: Portos e Navios
 
ABTP e Abra afirmam que trabalhos contratados serão divulgados nos próximos 30 dias abordando prejuízos concorrenciais e práticas de ‘self-preference’. Centronave defende olhar mais holístico sobre indústria marítima no mundo.
 
A Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP) e a Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados (Abtra) manifestaram que a verticalização pode estar disponível para importadores e exportadores como uma das alternativas logísticas para movimentação das cargas, mas que as práticas abusivas de concentração de mercado precisam ser combatidas. As entidades, que contrataram uma série de estudos técnicos sobre verticalização e concorrência no setor portuário brasileiro, avaliam que efeitos concorrenciais podem levar, no médio ou longo prazo, donos da carga a ficarem ‘reféns’ de um ou poucos terminais, prejudicando os níveis de concorrência. Já os transportadores marítimos que operam no longo curso veem a necessidade de uma discussão mais aprofundada a partir dos estudos e um olhar mais abrangente dos órgãos de controle sobre a indústria marítima global.
 
“A verticalização que existe hoje no Porto de Santos possibilita que Maersk e MSC atraquem seus navios, preferencialmente, no terminal verticalizado que eles têm lá (BTP). Essa preferência de atracar independe das condições comerciais oferecidas pelos outros terminais”, apontou o diretor-executivo da Abtra, Angelino Caputo, na última semana, durante o evento ‘Diálogo Público Análise Concorrencial no Setor Portuário’, promovido pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
 
A Abtra identifica a preferência de atracação de navios em terminais verticalizados, conceito de auto-preferência (self preference), como o principal aspecto a ser combatido. A associação vem discutindo junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e tentando evitar que tais práticas sejam permitidas na licitação do terminal STS-10. O argumento é que essa prática contribui para que os grupos verticalizados levem cargas de maneira não isonômica para seus terminais até o limite de suas capacidades, deixando apenas excedentes das cargas para terminais independentes.
 
As duas associações já apresentaram documentos técnicos e contrataram outros estudos a serem apresentados nos próximos 30 dias. Caputo, da Abtra, disse que os estudos precisam mostrar com dados consistentes de que a verticalização é boa para o porto. Ele falou da necessidade de se comprovar se, assim como a box rate (taxa que armador paga para terminal carregar e descarregar seus navios), o THC (terminal handling charge) pago pelos donos da carga caiu na mesma proporção.
 
A ABTP reconhece que a verticalização otimiza o mercado e um dos processos possíveis, mas é contra o abuso do poder econômico e práticas abusivas a partir da existência desse modelo de integração operacional. O diretor-presidente da ABTP, Jesualdo Silva, ressaltou que, nos últimos anos, houve concentração do poder econômico dos armadores a partir da concentração de poucos players no mundo, o que acaba retirando a capacidade de negociação dos importadores e exportadores, alta dos fretes, falta de lugares em navios e escassez de contêineres.
 
“Os armadores detêm o controle do mercado. A situação se complica com a dominância para terra, com associações de terminais e outros operadores logísticos. Não seria problema se não houvesse algumas práticas abusivas por trás disso”, comentou Silva. A ABTP identifica, além da BTP em Santos, outros cinco casos de concentração devido a terminais pertencentes a armadores: Santa Catarina (com TUPs da Portonave e Itapoá e arrendamento da APM Terminals Itajaí), Ceará (Pecém) e Rio de Janeiro (Multiterminais), além do Terminal de Vila Velha (TVV), cujo ato de concentração se encontra em análise no Cade.
 
Silva citou que, de acordo com o estatístico da Antaq, 43% de toda carga de contêineres do país passou por esses seis terminais em 2021, com viés de crescimento. “Observamos e estamos documentando que o crescimento tem sido acelerado pela prática de ‘self- preference’, com intensificação de omissões, cancelamentos e redução de escalas de navios em terminais independentes”, elencou Silva. Ele afirmou que a MSC e a Maersk operam mais de 55% das cargas que hoje circulam na costa brasileira, considerando que os grupos são donos direta ou indiretamente desses 6, que se tornarão 7 terminais verticalizados.
 
A ABTP alega que não há como os terminais independentes resistirem, por mais que eles sejam eficientes e mexam nos preços, como na redução de box rate. “Se não houver vedação à participação desses armadores e empresas de seus grupos, vai se permitir criação de um oligopólio e as cargas não terão muita opção. Isso acaba interferindo na logística das cargas”, disse Silva, em referência ao arrendamento da área STS-10, em Santos e ao processo de desestatização em Itajaí, em Santa Catarina.
 
O Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave), que representa 19 transportadores marítimos que operam rotas de longo curso com a costa brasileira, defendeu que os órgãos concorrenciais observem a realidade da indústria de terminais de contêineres no mundo, onde existem 7 ou 8 grandes operadores, dos quais apenas 2 são ligados a grupos econômicos de armadores. “Existem outros terminais que ainda não entraram no Brasil por insegurança jurídica, senão já teriam entrado”, disse o diretor-executivo do Centronave, Cláudio Loureiro. Ele acrescentou que muitos operadores chamados independentes são associados dos armadores em vários empreendimentos ao redor do mundo.
 
Para o Centronave, o maior problema da indústria de Tecons no Brasil é a falta de consolidação, comparando que na Europa e na Ásia não se vê nenhum terminal novo sendo implantado para movimentações menores que 3 milhões TEUs a 5 milhões TEUs/ano. “Uma das coisas que merece ser vista com cuidado é a situação de escala das operações no Brasil. É uma indústria fragmentada, com poucos terminais de tamanho médio que poderia estar competindo internacionalmente em licitações e não faz”, observou.
 
Os transportadores de longo curso representados pelo Centronave entendem que a indústria marítima opera globalmente em regime de liberdade econômica. Segundo Loureiro, os fenômenos mais importante acontecendo nesse negócio atualmente são a digitalização de processos e o blockchain, que devem se intensificar cada vez mais devido ao que chama de ‘integração operacional’, que abrange a gestão dos grupos sobre documentação, modais, terminais portuários, armazenagem e a operação marítima, seja com ativos próprios, seja com ativos de terceiros.
 
Loureiro disse que a concentração da indústria ocorreu em função da quebra de armadores num ciclo muito depressivo de frete que aconteceu a partir de 1993. Ele alertou para o risco de uma repetição, ainda que de forma mais branda, porque a navegação historicamente possui ciclos de 7 a 10 anos. “A consolidação não é estratégia diabólica de alguns acionistas, mas consequência de situações porque os investimentos são muito elevados. A indústria de navegação é altamente concentrada em capital”, afirmou. Ele citou que colocar uma linha de navegação em funcionamento entre Brasil e China movimenta recursos da ordem de US$ 1 bilhão.
 
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