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08/07/2022 - 10h41

Alta de commodities tem efeito restrito na balança

Fonte: Valor Econômico
 
O esperado impulso que a alta das commodities daria à balança comercial brasileira em 2022 acabou não se concretizando nem dá mostras de que pode ocorrer ao longo do restante do ano. Embora o preços dos produtos exportados pelo Brasil tenha crescido de forma firme, o movimento ocorreu juntamente com um salto em proporção maior dos preços dos produtos que o país importa.
 
Como resultado, os termos de troca, ou a razão entre os preços dos produtos vendidos ao exterior e os comprados de lá, caiu 9,1% nos cinco primeiros meses deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. Em relação ao pico mais recente, atingido em junho de 2021, houve uma queda de 13,5%.
 
Nos primeiros meses do ano, a combinação de um exterior ainda favorável e a guerra entre Rússia e Ucrânia fez com que governo e investidores adotassem uma postura otimista em relação as contas externas brasileiras, particularmente em relação à balança comercial. Esse otimismo repousava não exatamente num avanço do volume dos produtos vendidos, ou numa depreciação da taxa de câmbio, mas principalmente na melhora dos termos de troca, um cenário parecido com o vivido durante o boom de commodities de 2010.
 
“Alguns meses atrás, o discurso do governo e da maior parte do mercado era de que haveria uma grande explosão dos termos de troca, combinado a um crescimento maior dos volumes exportados que o de importados. Juntando os dois, iríamos ter um saldo gigantesco. É visível que o quadro hoje mudou muito, mas muitos ainda têm uma visão bastante benigna”, diz Livio Ribeiro, sócio da BRCG e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
 
Em junho, a balança comercial registrou superávit de US$ 8,8 bilhões, queda de 15,4% em relação ao mesmo mês de 2021. No acumulado do ano, o saldo está em US$ 34,5 bilhões, recuo de 8,2% sobre igual período do ano passado, informou a Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
 
Após o dado, o Ministério da Economia cortou sua projeção para o superávit comercial de US$ 111,6 bilhões para R$ 81,5 bilhões. Movimento contrário fez o Banco Central, que elevou de US$ 83 bilhões para US$ 86 bilhões o saldo para 2022 em seu mais recente Relatório Trimestral de Inflação (RTI), divulgado semana passada. Esse número, inclusive, sustenta a expectativa de um pequeno superávit nas transações correntes neste ano, de US$ 4 bilhões, ou 0,2% do PIB. Se concretizado, será o primeiro ano no azul da conta corrente desde 2007.
 
Uma característica que diferencia o atual boom de commodities de outros momentos recentes é justamente o comportamento do preço dos importados. diz a economista-chefe da AC Pastore, Paula Magalhães. “Nunca aconteceu de os preços de importação subirem dessa maneira, em geral eles são mais estáveis. Então as pessoas sempre tinham em mente que momentos de alta das commodities significava necessariamente uma melhora dos termos de troca”, diz.
 
Ela lembra que boa parte da pauta importadora é de bens intermediários, que sofrem com problemas como os gargalos de produção e escoamento advindos da China, onde a política de covid zero segue em vigor. Outro fator é a própria demanda mundial mais aquecida que o esperado até o momento neste ano.
 
Segundo cálculos da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), o preço dos bens exportados pelo Brasil cresceu 21,3% em maio, na comparação com o mesmo período de 2021. Já o preço dos importados avançou 34,9% no período.
 
Olhando adiante, a perspectiva também não é boa. Primeiro porque a surpresa com a atividade no Brasil – que ainda pode ser turbinada com novos estímulos fiscais – também significa um apetite maior por importações do que o anteriormente esperado. Depois, porque a guinada na política monetária de grandes bancos centrais deve colocar um freio na economia global, o que joga água fria sobre os preços das commodities no mundo.
 
“Em função da aceleração dos preços de importação, da deterioração acentuada nos termos de troca, da revisão [para cima] do cenário de atividade econômica nacional e [para baixo] da global, projetamos um superávit comercial em 2022 de US$ 62 bilhões”, afirma Daiane Santos, economista da entidade.
 
“Para que a projeção do governo fique em pé, teríamos que ter uma aceleração brutal nos termos de troca ou de volume na segunda metade do ano. Mas o que temos visto são as condições financeiras globais piorando, temores de recessão”, acrescenta Ribeiro, do Ibre.
 
Existe ainda a questão China. Após um crescimento desanimador no segundo trimestre, economistas começaram a projetar que o país não conseguirá entregar, pela primeira vez, a meta oficial de expansão do PIB do governo, estipulada em 5,5%.
 
Para reverter esse quadro, Pequim lançou mão de um pacote de estímulos para a infraestrutura. Em anos anteriores, isso foi suficiente para impulsionar o preço do minério de ferro e de outros metais industriais. Desta vez, no entanto, o quadro é diferente. Os contratos futuros de cobre negociados em Nova York atingiram recentemente a mínima em 17 meses.
 
Ribeiro lembra que a China já é uma economia de consumo e de serviços e que, portanto, estímulos do tipo têm impacto menor que em ocasiões anteriores. “Evidentemente, o governo está pisando no acelerador de infraestrutura, algo muito claro nos dados. No entanto, temos notícia também de um choque profundo na propensão marginal a consumir das famílias, indicadores do próprio Banco Popular da China (PBoC), e de um aumento da propensão à poupança das famílias”, diz. Ele lembra ainda que a pauta exportadora do Brasil para a China pode ser resumida, grosso modo, à minério de ferro, soja, petróleo e carne. Destes, apenas o primeiro é diretamente afetado pelo pacote.
 
Dessa forma, o Ibre projeta um saldo comercial de US$ 57,9 bilhões em 2022 e um déficit em transações correntes perto dos US$ 11 bilhões, ou 0,6% do PIB.
 
O BofA ainda deve rever sua projeção, que atualmente prevê um superávit comercial de US$ 65 bilhões, mas um déficit em conta corrente de US$ 0,5% do PIB. Mas o chefe de economia e estratégia do banco, David Beker, já admite que os números devem ficar piores. Por outro lado, ele pondera que a situação das contas externas do Brasil segue positiva.
 
“O setor não gera preocupação. Temos um nível de reservas elevado e um déficit pequeno em conta corrente”, lembra Beker. “O risco é os termos de troca caírem mais, mas ainda existe muito espaço para piorar antes que isso se torne uma preocupação.”
 
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